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Por que a maioria das mulheres não denunciam crimes de assédio e violência sexual?

Publicado em 01/08/2022 14:38

Por Silvia Chakian, promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, do GEVID (Foto: Divulgação)

A promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo Silvia Chakian, do GEVID (Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica), destaca abaixo alguns dos motivos pelos quais a maioria das mulheres não denunciam esses crimes de assédio e violência sexual.

1) Vítimas não identificam o que sofreram como assédio. A banalização e normalização do assédio sexual faz com que muitas mulheres não consigam identificar o ato como assédio sexual. Outras pensam que aquilo "faz parte do jogo". "Existe uma falta de consciência de que o comportamento mascarado como elogio ou cantada não é um mero constrangimento, é crime", diz Chakian. "As condutas não são só inadequadas - se refletem no código penal."

2) Medo de que ninguém acredite nelas. "São crimes de difícil comprovação, que acontecem por sua própria natureza de forma velada, entre quatro paredes e longe do olhar de testemunhas", diz Chakian. Por isso a importância, diz, que deve ser dada à palavra da vítima. "Não raramente as declarações da vítima vão ser as únicas provas da violência sexual. Mas a palavra da mulher ainda é vista com desconfiança."

3) Medo do assediador. Medo, medo, medo. A palavra é repetida por quase todas as vítimas. As vítimas de violência sexual têm medo de morrer, de serem violentadas mais vezes, de terem seus filhos agredidos. Para Chakian, a violência sexual também "mina a autoestima da vítima e a humilha, acabando com sua capacidade de resistência".

4) Vítimas sentem vergonha. "A vergonha é uma questão histórica da violência contra a mulher", diz Chakian. "Ainda há a ideia absurda de que a violência sexual refletiria a 'desonra' da vítima ou de que ela pode de certa forma ter tido algum comportamento que incentivou ou encorajou aquela prática." Medo de perder o emprego é uma das razões que fazem as mulheres calarem diante de casos de violência.

5) Sentimento de culpa. A promotora lembra que há mulheres que deixam de denunciar porque têm medo de serem responsáveis "pelo fim da carreira de um sujeito". "Muitas pensam: 'O sujeito tem família, carreira, eu vou destruir isso?". Outras, diz, sentem culpa pelo crime, como se fossem responsáveis pelo comportamento criminoso do assediador.

6) Vítimas são culpabilizadas. "Por que entrou naquela sala à noite?", "Estava sozinha?", "Você não estava com uma saia curta?" são perguntas ouvidas por mulheres que denunciam casos de assédio - uma forma de perguntar: "Você não assumiu o risco?". "Existe essa perversidade na análise da palavra da mulher vítima de violência sexual. A análise do comportamento é deslocada para a vítima, não para o violador", diz Chakian. A sociedade e as instituições acabam incutindo, assim, a culpa na vítima. "Sua palavra é sempre analisada como possível falsa denúncia." "Existe essa perversidade na análise da palavra da mulher", afirma Chakian, sobre a culpabilização das vítimas

7) Vítimas têm medo de reviver experiência. "A mulher não quer reviver a violência sexual. E ela é instada a contar sua história por parte das instituições e depois é confrontada e submetida a novas oitivas", diz Chakian, explicando que isso faz com que a vítima tenha que reviver diversas vezes o caso.

8) Medo de perder o emprego. Quando o assédio é no trabalho, vítimas temem perder o emprego. É o caso da maior parte das mulheres. "Sabia como ele era bem relacionado. Se o irritasse, nunca teria uma carreira." "A vítima tem medo de repelir o assédio ou denunciá-lo e passar a ter sua subsistência ou carreira ameaçada", afirma Chakian. "É o medo da advogada, da médica, da enfermeira ou da professora de se ver sem um emprego."

9) Medo de enfrentar processo e "não dar em nada". Há um medo "justificado", diz Chakian, "de ser exposta e não haver resultado". "É um medo justificado por causa dessa difícil comprovação da violência", explica Chakian. "Temos que fortalecer o sistema para que o sistema proteja as vítimas."

10) Dificuldades para denunciar/reportar e medo da violência institucional. As dificuldades para denunciar casos de assédio não são só na polícia, avalia Chakian. "Há dificuldades de acesso a canais oficiais, como o departamento de recursos humanos das empresas", diz. A forma como as instituições tratam a mulher pode levá-las à revitimização, ou seja, vitimá-las com perguntas que incutem a culpa nela.

11) Crimes são tratados como um problema entre homem e mulher, não como problema da sociedade. Crimes como esses comumente são varridos para baixo do tapete, tratados como se fossem um problema da vítima e do criminoso. Há casos, diz Chakian, em que não é "conveniente" escancarar o comportamento de um sujeito bem-quisto e bem relacionado na empresa ou de um chefe. Mas é preciso "reforçar a ideia de que todos são responsáveis". "Não existe território neutro. Todos se responsabilizam quando silenciam ou se omitem frente a um caso de assédio."

"Ao perceber que não estão sozinhas e que várias mulheres passaram pela mesma situação, uma mulher dá força para que outra pronuncie a violência que sofreu", diz a pesquisadora Jackeline Romio, doutora em demografia pela Unicamp e especialista em mortalidade feminina pela violência de gênero.

A mulher, que tem sua palavra vista com desconfiança, como observou Chakian, não se vê mais sozinha frente a um homem todo poderoso. Para garantir que mais mulheres denunciem casos de assédio e estupro sem que uma primeira tenha que ter "muita coragem" para isso, diz Chai Feldblum, da US Equal Employment Opportunity Commission, é preciso que a "sociedade crie um ambiente seguro para as mulheres - o que ainda não aconteceu".

Por Silvia Chakian, promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, do GEVID - Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (Com informações Juliana Gragnani / BBC Brasil em Londres)

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